29 de mar. de 2013

Qualquer forma de violência é condenável, por Ana Cristina Duarte


Qualquer forma de violência é condenável.

Uma das piores formas de violência que eu conheço é a violência obstétrica, pelas seguintes razões:

- Atinge dois seres que estão vulneráveis, e ao mesmo tempo: a mãe e o bebê. Às vezes atinge também o acompanhante, em geral o pai do bebê.

- É perpetrada por um grupo que tem o domínio (equipe profissional) em seu próprio campo de batalha (o hospital, a sala de parto).

- Muitas vezes não tem testemunha (a equipe se cala, o acompanhante muitas vezes foi impedido de assistir o parto).

- Não é reconhecida pela sociedade, que entende que os profissionais sempre estavam fazendo o seu melhor e que provavelmente a mulher é quem não colaborou/se comportou.

- Tem quase 100% de impunidade, pois as poucas denúncias caem no buraco negro dos conselhos profissionais e sindicâncias intermináveis.

- Pode causar graves sequelas físicas e psicológicas e, em raros casos, a morte.

- Atinge um número absurdo de mulheres em nosso país, se considerarmos todas as suas formas. Podemos estar chegando perto de 100% de mulheres que foram ou serão submetidas à violência obstétrica durante seus partos.



São atos de violência obstétrica:

- Impedir que a mulher seja acompanhada por alguém de sua preferência, familiar ou de seu círculo social.

- Tratar uma mulher em trabalho de parto de forma agressiva, não empática, grosseira, zombeteira ou de qualquer forma que a faça se sentir mal pelo tratamento recebido.

- Tratar a mulher de forma inferior, dando-lhe comandos e nomes infantilizados e diminutivos, tratando-a como incapaz.

- Submeter a mulher a procedimentos dolorosos desnecessários ou humilhantes, como lavagem intestinal, raspagem de pelos pubianos, posição ginecológica com portas abertas.

- Impedir a mulher de se comunicar com o “mundo exterior”, tirando-lhe a liberdade de telefonar, usar celular, caminhar até a sala de espera etc.

- Fazer graça ou recriminar por qualquer característica ou ato físico como, por exemplo, obesidade, pelos, estrias, evacuação etc.

- Fazer graça ou recriminar por qualquer comportamento como gritar, chorar, ter medo, vergonha etc.

- Dar bronca, ameaçar, chantagear ou cometer assédio moral com qualquer mulher/casal por qualquer decisão que ela possa ter tomado, quando essa decisão for contra as crenças, fé ou valores morais de qualquer pessoa da equipe, por exemplo: não ter feito ou ter feito inadequadamente o pré natal, ter muitos filhos, ser mãe jovem (ou o contrário), ter tido ou tentado um parto em casa, ter tido ou tentado um parto desassistido, ter tentado ou ter efetuado um aborto, ter atrasado a ida ao hospital, não ter informado qualquer dado, seja intencional, seja involuntariamente.

- Fazer qualquer procedimento sem explicar antes o que é, por que está sendo oferecido e, acima de tudo, SEM PEDIR PERMISSÃO.

- Submeter a mulher a mais de um exame de toque (ainda assim quando estritamente necessário), especialmente por mais de um profissional, e sem o consentimento, mesmo que para ensino e treinamento de alunos.

- Dar hormônios para tornar mais rápido e intenso um trabalho de parto que está evoluindo normalmente.

- Cortar a vagina (episiotomia) da mulher quando não há necessidade (discute-se a real necessidade em mais que 5 a 10% dos partos).

- Dar um ponto na sutura final da vagina de forma a deixá-la menor e mais apertada para aumentar o prazer do cônjuge (“ponto do marido”).

- Subir na barriga da mulher para expulsar o feto (manobra de Kristeler).

- Submeter a mulher e/ou o bebê a procedimentos feitos exclusivamente para treinar estudantes e residentes.

- Permitir a entrada de pessoas estranhas ao atendimento para “ver o parto”, quer sejam estudantes, residentes ou profissionais de saúde, principalmente sem o consentimento prévio da mulher e de seu acompanhante com a chance clara e justa de dizer não.

- Fazer uma mulher acreditar que precisa de uma cesariana quando ela não precisa, utilizando de riscos imaginários ou hipotéticos não comprovados (o bebê é grande, a bacia é pequena, o cordão está enrolado).

- Submeter uma mulher a uma cesariana desnecessária, sem a devida explicação dos riscos que ela e seu bebê estão correndo (complicações da cesárea, da gravidez subsequente, risco de prematuridade do bebê, complicações a médio e longo prazo para mãe e bebê).

- Submeter bebês saudáveis à aspiração de rotina, injeções e procedimentos na primeira hora de vida, antes que tenham sido colocados em contato pele a pele e de terem tido a chance de mamar.

- Separar bebês saudáveis de suas mães sem necessidade clínica.

Se você, mulher, foi submetida a qualquer um desses atos de violência, denuncie. Não permita que a violência se perpetue. Será necessário que milhares de mulheres se ergam e digam basta, até que as mulheres parem de sofrer. O parto é um momento de alegria, de prazer. A dor fisiológica é suportável. Mas a dor da violência, essa pode se tornar insuportável e deixar profundas marcas.



Para denunciar:

1) Exija seu prontuário no hospital (ele é um documento seu, que fica depositado no hospital, mas as cópias devem ser entregues sem questionamento e custos).

2) Escreva uma carta contando em detalhes que tipo de violência você sofreu e como se sentiu.

—> Se o seu parto foi no SUS, envie a carta para a Ouvidoria do Hospital com cópia para a Diretoria Clínica, para a Secretaria Municipal de Saúde e para a Secretaria Estadual de Saúde.

—> Se o seu parto foi em hospital da rede privada, envie sua carta para a Diretoria Clínica do Hospital, com cópia para a Diretoria do seu Plano de Saúde, para a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e para as Secretarias Municipal e Estadual de Saúde. Existem outras instâncias de denúncia, dependendo da gravidade da violência recebida, mas um advogado deveria ser consultado.

(1 de março de 2013)

28 de mar. de 2013


Eu sinto tristeza e dor até hoje quando leio um relato, vejo uma foto sobre episiotomia... Foi uma das experiências mais traumáticas que passei na minha vida... A episio, e a Kristeller...
Foram duas coisas q eu tinha visto pouco, tinha lido pouco... Não fazia ideia SINCERAMENTE de como eram, o que eu sentiria, o que ficaria em mim pra sempre... a sensação é inesquecível, e ruim demais.
Se um médico soubesse o que uma mulher pode sentir pra sempre quando ele faz ou manda fazer uma dessas duas coisas, talvez pensasse antes de fazer/ou mandar fazer... Isso, claro, se restasse nele ainda algum traço de humanidade e compaixão, ou de respeito.
Aliás, me recuso a curtir.





Do Núcleo Carioca de Doulas: Dar voz às mulheres que se sentiram violentadas, mutiladas e humilhadas durante o parto é uma questão de Direitos Humanos. Parabéns ao Projeto 1:4 e à Carla Raiter - Fotografia por contribuir para dar visibilidade a absurdos como este.
[Na imagem, depoimento de mulher que sofreu uma episiotomia - corte no vagina/períneo durante o parto, sem consentimento e sem necessidade - e foto da cicatriz que carregará para sempre, lembrando da violência que sofreu.]


Projeto 1:4
Retratos da violência obstétrica
www.carlaraiter.com/1em4

26 de mar. de 2013

25 de mar. de 2013

"Eu faço parto normal, mas só com o 'piquezinho'.


É pra te ajudar, mãezinha."