20 de mai. de 2015

Relato do Parto do Artur, 27/4, 2015 – Parto domiciliar planejado, com enfermeira obstetra e obstetriz.

Equipe: Maíra Libertad, enfermeira obstetra; Marina Alvarenga, obstetriz; Vagner, marido e pai; Aninha, filha amada e irmã corujíssima; Karen, amiga, comadre e "alter-ego"; Lena, fada-madrinha; Claudia Reis, fotógrafa e amiga.


A história do parto do Artur começou a quase 14 anos, quando nos descobrimos grávidos, esperando a Aninha. Nossa moreninha hoje tem 13 anos, mas toda a história da gestação e parto dela fazem parte também da história da gestação e parto de seu irmão, Artur.
Na época que gestamos Aninha (Mai/2001-Fev/2002) a única certeza que eu tinha era de que não queria uma cesariana. Sem recursos e sem muita informação, contando em conseguir um parto normal pelo plano de saúde, perambulamos entre consultórios de obstetras até chegarmos a um vaginalista que nos ajudou a fazer a Aninha nascer de parto normal, ainda que no hospital, seguindo todo o protocolo de intervenções tradicionais. Foi traumático tanto pra mim, quanto para meu marido – eu, na verdade, só digeri tudo que nos foi feito anos depois, quando me envolvi mais e mais no movimento de Humanização do Nascimento. De lá para cá foram 13 anos de estudos, de informações, de revolta, de mágoa, de ressignificação do que passamos, de ativismo. Eu e meu marido nos separamos, reatamos, nos separamos de novo, amadurecemos através de perdas e da observação e busca de compreensão da vida, buscamos novo sentido e valores para nós mesmos, para o nosso amor.
Em maio de 2013 nos reaproximamos, voltamos a namorar e, logo depois, decidimos nos casar, dessa vez no cartório e com uma cerimônia delicada e pessoal para compartilhar o momento, nossa decisão e conquista (sim, porque estarmos juntos de novo foi uma conquista!) com nossos queridos. Nossa aliança representa o amor de uma vida, de várias vidas, um renascimento de cada um de nós, inclusive de nossa filha Ana. Uma história que não tem fim.
Não planejávamos engravidar tão cedo, mas sempre quis outro filho, Aninha queria um irmão, e Vagner, sem dúvida, queria um menino!
Nunca fui de marcar menstruação em calendário porque meu corpo sempre me avisou quando o período estava chegando... Levo meus ciclos de maneira bem natural. Um dia de agosto de 2014, quando me dei conta e olhei o calendário, percebi que já deveria ter ficado menstruada havia alguns dias, semanas na verdade, e naquele momento me bateu a certeza: "- Estou grávida!". Passou o filme na minha cabeça do dia da concepção daquele bebê – havia sido tão especial que lembrava o dia, as sensações, o olhar do Vagner. Comprei o teste da farmácia ao sair do trabalho para fazer em casa, somente para tirar a dúvida: positivo! Vagner via TV na sala quando entreguei a ele o exame. Assim como na 1ª vez, ele ficou em silêncio por alguns minutos. Sabe Deus o que se passava em sua cabeça, mas eu tinha certeza que dessa vez não era o medo misturado com felicidade da 1ª vez. Estamos em uma fase da vida de muito maior segurança e tranquilidade que estávamos naquela época em 2001.
Tanto para ele quanto para mim havia, desde então, uma certeza: este bebê não nasceria da mesma forma, não passaríamos pelas mesmas intervenções desnecessárias às quais fomos submetidos em 2002. Este bebê não ficaria 6 horas no berçário, afastado da gente, sem necessidade! Eu até poderia aturar violências contra mim e contra meu corpo, mas jamais aceitaria violência contra nosso bebê recém-chegado ao mundo. Este nasceria já recebendo amor. Para mim, imersa no assunto do parto humanizado todos esses anos, depois de ler tanto, de receber tantos relatos de violência obstétrica, depois de ver o surgimento de equipes excelentes de atendimento ao parto humanizado em nossa cidade, entendendo muito mais do assunto e já tendo parido um bebê de parto normal em hospital antes, não havia dúvida: pariria este novo bebê em casa.
Vagner e eu conversamos muito. Como todo homem, pai de família, que se sente responsável pela segurança dos seus, a maior preocupação dele era SEGURANÇA. Como nosso maior ponto forte sempre foi a amizade e a conversa, fomos conversando, conversando, até que todas as inquietudes ficassem esclarecidas. Não há como não buscar a segurança para todos quando o assunto é parto. Há muita expectativa, há muita responsabilidade e, ainda que saibamos que qualquer evento da natureza tem seus riscos, sua certa carga de imprevisibilidade, nosso papel como humanos e pais é buscar o menor risco possível, ter planos de contingência, saber pelo que passaremos – embora a gestação seja emoção, hormônios, felicidade, novidades, temos nosso lado racional para nos ajudar nesse caminho, caminho este que de toda forma não deve deixar de ser natural.
Desde 2000 e alguma coisa acompanho pela WEB o trabalho, a carreira, as ideias da Maíra Libertad. Seu caminho, suas ações, seu ativismo, seu profissionalismo e até seu nome (Libertad!) sempre me despertaram bom sentimentos. Desde o comecinho outra certeza que eu tinha é que seria ela que nos apoiaria nesta gestação e parto. A única maneira de garantir que nosso novo bebê não sofreria intervenções de protocolo de hospital (check-in de berçário etc.) seria fazer com que ele nascesse em nossa casa – o único lugar em que as regras são nossas, ainda que fossemos guiados por um profissional que nos acompanhasse no parto. Juntando tudo isso, liguei e marquei consulta com a Maíra ainda nas primeiras oito semanas de gestação. Conversamos sobre as condições de atendimento dela, sobre parto domiciliar planejado, sobre o que o serviço dela cobria, como seria o pré-natal, e pedi a ela referências científicas para que Vagner e eu pudéssemos estudar sobre os riscos e benefícios deste tipo de parto. Foi nessa 1ª consulta que conheci a Marina Alvarenga – obstetriz, a 1ª a trabalhar no Rio, assistente da Maíra – que descobri ser um doce de pessoa e possuir também excelente qualificação técnica. Elas duas juntas formam uma dupla que, a meu ver, fica completa. A firmeza e a segurança da Maíra, o carinho e a doçura da Marina. Senti-me acolhida e aceita, ainda que tão no começo desse caminho. Nossa próxima consulta de pré-natal seria em casa, já que a decisão era por parto domiciliar desde então.
Ao longo das semanas seguintes Vagner e eu conversamos muito, lemos relatos de partos acompanhados pela Maíra, o material técnico que ela nos enviou (uma compilação de textos científicos sobre parto domiciliar para gestantes com parto normal anterior), outros relatos de parto em casa. Ainda pensamos sobre o parto humanizado hospitalar, mas dentro de mim já havia aquela certeza: eu ia parir em casa.
As consultas de pré-natal se seguiram, mês a mês, em casa, com Maíra e Marina. Vagner, Aninha e eu estávamos presentes sempre que possível. Longas conversas, muito tempo para tirar dúvidas. Pouquíssimos exames, uma vez que só fiz os que são realmente necessários para um bom acompanhamento de pré-natal. Nenhum exame de toque por toda a gestação! Foi uma gestação tranquila, eu estava saudável quando engravidei (fazendo tratamento com homeopatia e acupuntura) e assim fiquei por nove meses. O tempo voou! Com o passar das consultas Vagner foi ficando mais e mais seguro com relação à nossa escolha, com relação às profissionais que escolhemos para nos apoiar. Planejamos quem estaria com a gente – Karen, a madrinha da Aninha e minha melhor amiga (alter-ego, como digo, alma-irmã e algo mais) desde os tempos da faculdade; Claudia – fotógrafa que trabalha com educação que conheci através de uma oficina de fotografia para crianças que Aninha fez a uns quatro anos, e que veio se envolvendo com o parto humanizado por minha influência através do Facebook; e a Lena, nossa ajudante e segunda-mãe, fada-madrinha. Vagner e Aninha também, claro.
Passei a gestação fazendo um "diário de grávida" no Facebook, fazendo ativismo pró-parto humanizado e conversando com muitos amigos e familiares sobre o tema, sobre nossas escolhas. Foram meses de confirmação, de mais aprendizado, fiz curso de Parto e Pós-Parto no Núcleo Carioca de Doulas, fui à Roda de Parto Domiciliar do Coletivo de Parteiras, segui estudando. Vários amigos vieram acompanhando nossas escolhas, o desenvolvimento do Artur na minha barriga, a montagem do quartinho dele – olhando hoje, para trás, tudo isso foi importante para nós. Informação, apoio, sentirmo-nos parte de um coletivo, apesar de sabermos que as escolhas que fizéssemos seriam de nossa inteira responsabilidade, ajudou-nos a firmar mais e mais nossos planos. Costumo dizer que informação é poder, estudar sobre a fisiologia do que vivemos nos dá calma para passar pelo que for necessário. Nesse ponto eu, como bióloga, e Vagner, como geólogo, pensamos bastante em comum – estudar, informar e conhecer, ainda que saibamos que não há garantias em quase nada nessa vida, dá-nos segurança. Todo esse processo foi uma conquista, foi o que chamamos de empoderamento, de sermos agentes de nossas escolhas, aceitar nossa responsabilidade sobre o que façamos. DECIDIR com base em informações científicas, evidências científicas, além de nosso feeling, claro, e de nossas próprias experiências!
É importante dizer que a certeza do parto domiciliar planejado foi se solidificando com as consultas de pré-natal, com a disponibilidade da Maíra e Marina em ouvir-nos, e muito, ouvir pacientemente todas as nossas perguntas, algumas delas feitas mais de uma vez, e em responder-nos. As pessoas se perguntam sobre os riscos dessa escolha - "E se acontece uma intercorrência, o que farão?". As profissionais que escolhemos têm formação técnica para o 1º atendimento de emergência que fosse necessário tanto comigo, quanto com o bebê, para estabilizar-nos e levar-nos ao hospital mais próximo. Há uma lista de pré-requisitos para que se possa fazer o parto em casa e, junto com Maíra e Marina, conversamos sobre todos os pontos. "E se alguma fatalidade acontece?" - há intercorrências associadas ao parto que são imprevisíveis, algumas delas fatais, e contra as quais não há o que fazer, nem em hospital. "E vocês não tiveram medo desse risco?" - sim, tivemos, mas as evidências científicas mostravam, no nosso caso, que os riscos eram mínimos, e os aceitamos. Os riscos do nosso parto em caso eram menores do que parir no hospital!
No caso do atendimento ao parto domiciliar com Maíra e Marina recebemos um termo de conhecimento de riscos e consentimento e nós o discutimos, ponto a ponto, e o assinamos em conjunto. Tínhamos um plano B também, com apoio de obstetra e sua equipe e um hospital a menos de 30 minutos daqui de casa, para o caso de algum problema mudar os planos antes do parto, ou no trabalho de parto. (Aliás, uma das coisas que ponderamos nessa gestação foi a existência desse termo: não deveria qualquer profissional de assistência ao parto discutir um documento desse com a gestante e sua família? Quando parimos com um obstetra em hospital, parece que a "garantia é  o médico", pouco se fala de riscos, e termo semelhante creio que jamais há!)
A barriga foi crescendo, as consultas tornando-se mais frequentes, semanais. As contrações de exercício começaram algumas semanas antes de eu entrar em trabalho de parto. Lembro-me com nitidez do dia que o Artur se encaixou, a pressão da expansão dos ossos do meu corpo... Eu estava bastante consciente do progresso do Artur em seu caminho, das respostas de meu corpo. Dores? Algumas, suportáveis. Ansiedade? Não muita, de minha parte ao menos. Desejo de vê-lo e cansaço com o peso da barriga, com a azia que queimava meu estômago, dificuldade de dormir? Sim, essas eram bem presentes. Mas estava tudo preparado e era só nosso reizinho desejar vir. Espera, doce espera. Trabalhei no escritório até 22/4. Trabalhei de casa até a manhã do dia em que pari (27/4). Estava me sentindo muito bem, plena e produtiva! Trabalhar, cuidar da casa, da família, dos preparativos para o parto me ajudou a curtir cada momento com a cabeça e coração leves.
Dia 25/4 pedi à Karen para fazermos umas fotos da barriga, com Aninha, Vagner, em casa mesmo – Vagner havia manifestado a vontade de fazer um ensaio fotográfico dessa vez (na gravidez da Aninha não o fizemos por falta de recursos!), mas eu não sentia muito ânimo mais para isso. Como a Karen é da família e fotografa muito bem fizemos fotos lindas na tardinha do sábado que antecedeu o parto.
Dia 26/4, domingo, acordamos cedo como sempre. Vagner e eu temos o hábito de ir ao Aterro, caminhando, nos domingos de manhã. Àquela altura eu já não conseguia força e ânimo de andar de Botafogo até lá, mas ele se ofereceu para irmos de carro até onde era possível, tomarmos água de coco, aproveitar o momento a dois, além de todo carinho que estávamos curtindo já em casa. Aninha, como pré-adolescente, optou por ficar em casa dormindo. Fomos os dois e foi ótimo! Acabamos caminhando no Leme, olhando o mar, num dia de céu cinza. Conversamos e namoramos toda a manhã e perto do almoço voltamos pra casa. A tarde e a notinha foram sossegadas, em casa mesmo. Um clima e energia muito bons!
Ainda no domingo, 26/4, por volta das 22hs, senti um jato de água entre as pernas, molhando minha roupa. Não era uma cachoeira como aparece na TV quando rompe a bolsa das águas, mas não era lubrificação normal tampouco – era água, água numa quantidade de molhar a roupa. Fui ao banheiro fazer xixi e senti sair algo de mim com mais consistência e um "ploc" na água do vaso sanitário... Era o tampão mucoso saindo. As contrações de exercício ficando mais fortes. Fiquei feliz e ao mesmo tempo duvidando que fosse aquilo mesmo... Pode levar dias entre a saída do tampão mucoso e o trabalho de parto efetivamente. Troquei de roupa e fomos dormir.
Às 2:30hs da madrugada de domingo pra segunda, 27/4, acordei com contrações fortes, do tipo de cólica menstrual – as contrações de exercício não doem, o útero apenas fica duro, essas não, essas doíam uma cólica forte! Achei que deveria falar com a Maíra, mandei uma mensagem para ela que, àquela altura da minha gestação, já estava sempre de olho no celular – além de mim Maíra tinha outra gestante com data provável de parto para 1/5 e que estava a termo! Maíra me orientou a contar as contrações... E ficar de olho em qualquer mudança, avisando-a em qualquer caso. Fiquei deitada no sofá da sala até 5:30hs. As contrações duravam 30 segundo e vinham de 4 em 4 minutos. Poderia demorar ainda muitas horas para isso tudo virar trabalho de parto ativo, de verdade. Avisei à Maíra e ficamos nos falando sobre os progressos.
Às 6:30hs acordei Vagner e Aninha, ele para ir trabalhar e ela para ir à escola. Avisei ao Vagner as novidades sobre o possível começo do trabalho de parto, mas eu mesma acreditava que ainda demoraria muito. Pedi que ele levasse Aninha à escola já que eu não tinha condições. Fiz café para ambos e foram. Avisei Karen e Claudia sobre as novidades e que poderia ser que o Artur nascesse na noite daquela segunda-feira. Disse a elas e ao Vagner que fossem trabalhar, que daria tempo e que mais tarde é que as coisas deviam andar.
Vagner levou Aninha no colégio e voltou para casa - decidiu não trabalhar e esperar - foi a sorte!!! Aninha queria estar em casa no parto, mas tinha prova aquela manhã e achei que daria tempo de ela fazer a prova e voltar para casa antes do parto.
Karen decidiu vir para nossa casa depois do almoço, Claudia começou a desmarcar seus compromissos e eu dizendo a elas que podiam ter calma! Fiquei trabalhando de casa a partir das 8:20hs. Respondi e-mails de clientes, falei com meu gerente, e as contrações ficando mais e mais fortes. Falava com Maíra pelo Whatsapp também. Lena, nossa ajudante chegou cedo e pedi que cuidasse logo da sala, do nosso quarto e banheiro porque o Artur deveria nascer naquele dia e logo mais haveria mais gente pela casa. Pedi a ela que fizesse o almoço também... Havíamos feito compras de frutas e legumes no final de semana e compras de mercado (estoque para parto e pós-parto!) no final de semana e eu estava ainda preocupada com a entrega que seria na segunda!
Havia combinado com a Maíra de ela dar um pulo aqui em casa para ver como eu estava – ela havia me perguntado se eu achava que estava progredindo rápido. Eu ria e dizia "Não sei".
Por volta das 11:00hs eu já não conseguia conversar nas contrações... Larguei meu laptop de qualquer jeito e desisti, enfim, de trabalhar! Maíra me orientou a contar de novo as contrações, duração e intervalo entre uma e outra. Ela me disse que seria melhor o Vagner contar e eu ainda achando que eu mesma poderia fazê-lo - ledo engano... Perdia as contas! Pedi a ele que contasse e dentro de 10 minutos a coisa já estava tensa! Eram contrações de 60 segundos a cada 3 minutos. Eu já estava saindo de órbita. Mandei uma mensagem para Maíra dizendo que não dava mais para conversar, ela já estava vindo para cá ("Graças a Deus", pensei!). Marina já estava arrumando o "kit parteira" delas (é uma mala enorme!) e vindo pra cá também. Lembro-me que Karen e Claudia ainda me perguntavam se estava na hora delas virem ou não, eu já não respondia. Pedi pro Vagner avisá-las que deviam vir sim.
Eu não sabia se deitava, se andava... Andar era melhor para as dores, mas a minha vontade era deitar e descansar. Se o intervalo entre as contrações fosse longo eu estaria deitada nos intervalos e andando durante as contrações. Mas eram ondas, rápidas, e a única coisa que eu tinha tempo de fazer era respirar. Fui deitar na cama, mas não me senti confortável, depois levantei e fiquei apoiada na pia do banheiro – pendurar meu quadril durante as contrações melhorava tudo. Lembro que Maíra chegou e eu estava assim, "pendurada" na pia do banheiro, ainda vestida. Dali pra frente as coisas tomaram mais e mais força; acho que o Artur estava esperando Maíra chegar para que pudéssemos trabalhar todos juntos. Já não sabia mais do intervalo e da duração das contrações, eram fortes, eram muitas, com um intervalinho pra eu respirar. Fui para o chuveiro quente e foi a 1ª salvação! Água realmente faz muita, muita diferença. Nosso box é pequeno e eu demorei a achar posição. A vontade era deitar no chão, mas não me cabia. Sentei num banco de madeira, doía o períneo - imagina algo lutando para abrir tudo lá em baixo e você sentada numa superfície dura de madeira? Não dava. Pedi para me darem minha bola de Pilates e consegui ficar debaixo do chuveiro sentada nela... Água na região lombar, água no rosto, água na barriga, água, água... Muita água. Eu só queria água. Nunca desejei parto na água, nunca pensei em usar chuveiro como analgésico, mas nunca amei tanto a água quanto nesse parto. Ela é mágica, de fato!
Enquanto eu gemia e me molhava no banheiro, Marina chegou com a piscina de borracha – eu só queria a piscina naquele estágio. Ainda me perguntava se alguma mão em mim, uma massagem ou qualquer coisa me fariam bem, se eu devia ter tido uma doula ou não. Às vezes achava que uma mão em mim seria bom, outras vezes achava que ia ter um ataque se me encostassem. No segundo seguinte tinha a certeza de que estar só com as contrações naquele momento era tudo que eu precisava. Estava tão consciente das ondas, do movimento do Artur descendo pelo meu ventre – qualquer coisa mais me atrapalharia a concentração. Pergunto-me agora como as meninas souberam que eu precisava estar só.
Notei a agitação do Vagner, Marina, Maíra e Lena arrumando a sala, enchendo a piscina, trazendo água quente, bem quente de algum lugar. Mas ao mesmo tempo eu não prestava mais atenção em nada, além de mim mesma e das contrações. Ondas, ondas, água, água. Todos os movimentos circulares, a natureza arredondada, Terra, ventre, ondas... Era o que estava na minha cabeça. Lembro-me de ter sentado no vaso sanitário do banheiro enquanto eles enchiam a piscina. Antes que estivesse pela metade eu já havia me metido dentro dela.
Os braços cansados, tremiam por dentro. Eu queira ficar submersa, queria entrar em mim mesma. Centrar-me. Respirava entre as contrações, relaxava e tentava deitar na água, mas o intervalo entre uma contração e outra era tão curto que não dava tempo de relaxar muito. Aí que me dei conta de que o trabalho de parto já tinha avançado muito, muito... Não seria à noite que Artur nasceria!
Vagner teve um papel crucial no trabalho de parto! Além de cuidar de tudo que eu precisava com as meninas, ele estava sempre me apoiando, abraçando-me quando vinha uma contração, jogava água com a mangueira nas minhas costas. E nos intervalos ia resolver alguma coisa! Como ele podia ser tão rápido? Ele me trouxe água de beber algumas vezes também.
Lembro-me de ouvir a campainha duas vezes, a 1ª vez era a Karen, a 2ª vez era a Claudia. Estavam todos lá. Não sei ao certo onde ficaram, o que fizeram, não me lembro de ter visto mais nada além de mim mesma, era como se eu olhasse para dentro. As sensações físicas das contrações eram meus olhos, ouvido, tato. Eu achava que gritava muito alto, que estava fazendo muito barulho e me preocupava, ainda, com isso - depois me disseram que eu gemia apenas e, às vezes, baixinho. Estava tão centrada em mim que meus sons, para mim, eram altos!
Lembrei da Aninha, que ainda estava na escola, queria que a buscassem às 14:20hs, hora do final da prova. Ao mesmo tempo tinha medo que ela me visse com dor e gritando e se assustasse.
Maíra e Marina se revezavam usando o sonar na minha barriga, entre as contrações, para ouvir o coração do bebê. Elas me diziam que ele estava feliz e bem. Eu ouvia o coração dele forte, batendo em ondas também. Sentia meu corpo abrindo, abrindo, nessas ondas. Sentia vontade vomitar, de fazer coco, e certo momento lembro-me de estar preocupada com isso - de fazer coco dentro d'água, e a Maíra, muito naturalmente, disse que eu não me preocupasse que ela cataria com a luva se acontecesse. Como a gente ainda tira razão de algum lugar pra pensar nisso?
Quando se tem consciência da fisiologia do parto, quando se tem consciência de seu corpo, quando se está integrada com seu bebê, vira tudo uma coisa só. Unidade. Sentia as mãos fortes do Vagner de tempos em tempos, sua respiração no meu ouvido.
Nos intervalos, em alguns momentos, a razão me vinha novamente e eu me perguntava se ainda seria capaz, se aguentaria. Lembro-me de ver Maíra e Marina sentadas ao longe, olhando. Quando me faltava força e fé, três pessoas marcaram. Lembro-me de três momentos, entre as contrações. Num deles eu perguntei à Maíra com quantos centímetros de dilatação eu devia estar, se faltava muito - a resposta dela: "Não sei, esquece isso, isso não é relevante!", com um sorriso. E veio outra contração. A cada contração sentia meu corpo se abrindo, relembrava das etapas do trabalho de parto, do caminho do bebê descendo pelo útero, abrindo espaço entre meus ossos, descendo, descendo.
Em outro momento, entre outras duas contrações, senti vontade de chorar, minha pelve parecia que ia rasgar, abrir... Tive medo de não dar conta. Não sabia mais quanto duraria aquilo tudo, se eu aguentaria. Olhei para fora da piscina e meus olhos encontraram os da Marina, ela sorria. "- Eu consigo, não é?", eu disse, e ela, ainda sorrindo, acenou que sim com a cabeça. Mais vontade de chorar. Outra contração. Eu me debruçava na borda da piscina, macia, quente, acolhedora. E sentia os braços do Vagner me envolvendo... Eu devia estar na "hora da covardia", quando já está tão perto do final que a gente pensa em desistir. Nesse momento o Vagner me abraçou e disse baixinho ao meu ouvido: "- Vamos lá! Você não me convenceu disso tudo? Não estamos juntos nessa? Agora falta pouco! Vamos pra dentro!"... Os olhos se enchem de lágrima neste momento, ao escrever, ao lembrar da presença de espírito dele, do quão bem ele me conhece e soube que o que eu precisava não era alento, ou mão na cabeça, era força, muita força. Força da terra, da água, das vísceras, do nosso amor que se refez tantas vezes, tão forte. Passei a mão na minha vulva e senti o cabelinho do bebê – sim, ele estava ali! Esperando-me, esperando que eu recuperasse minhas forças. Ele estava fazendo a parte dele, estava em seu caminho e era minha vez de fazer também minha parte. Lembrei mais uma vez da fisiologia do parto, que por tantos anos li... Estávamos avançados no expulsivo, se a cabeça dele estava ali eu já tinha os benditos 10cm de dilatação do colo útero. Agora era meu períneo e meu medo da episiotomia que sofri anos atrás, uma força, uma contração podia resolver tudo.
Concentrei-me no Artur, no meu útero, na contração que estava vindo, senti-me leoa, as palavras do Vagner ecoando na minha mente. Eu não via nada à minha volta, somente a onda da contração, vindo, maior que eu, mas não, não a deixaria me cobrir. Dessa vez íamos trabalhar juntos, Artur, meu útero, meu períneo, minha mente... Ao invés de gemer, gritei e pari a cabeça de nosso filhote querido, tão esperado. A sensação? Senti o tal círculo de fogo, em segundos, mas a maior sensação era de um orgasmo gigante. Conseguimos! Eu ria. Agora era o corpinho macio dele, escorregadio, que deveria sair na próxima contração. Institivamente eu, que até então estava quase de joelhos na água, virei meu corpo e deitei afundando-me nela, apoiando a cabeça na borda da piscina. Ali esperando-nos estavam as mãos protetoras da Maíra. As mãos ansiosas do Vagner. Os olhos sorridentes da Marina. E eu rindo, rindo... Rindo! E dizendo que dava pra sentir ele se mexendo dentro de mim! Passando a mão no cabelinho dele. Chorava ao mesmo tempo em que ria!
Naquele momento eu consegui ver as pessoas à minha volta, enfim, o olhar aliviado de todos, sorrindo e ansiosos para conhecer o Artur. Na minha mente eu dizia "Já foi, eu consegui! Agora é só parir o corpinho macio dele!". À minha frente Maíra de luvas afastava qualquer ideia de alguém por a mão no bebê, de puxá-lo, de por a mão no meu períneo ou qualquer coisa. Vagner, ao meu lado pela borda da piscina, encorajava-me sorrindo um sorriso tranquilo e calmo. Mais uma contração e pronto. Artur havia nascido, por mim. Estava apaixonada por ele já dali, ou muito antes daquele momento. Eu pensava "Conseguimos, meu amor, meu príncipe! Obrigada por me acompanhar nessa jornada e por fazer dar tudo tão certo. Nós sabemos parir e nascer! Conseguimos!". Maíra recebeu o Artur junto comigo, tive tempo de ver e comentar "Ele nasceu com uma circular de cordão!" – era mais um detalhe pra coroar nosso conhecimento de que os bebês sabem nascer, que os partos dão certo, que cordão jamais é assassino. Maíra desfez a volta no pescoço dele e o colocou no meu colo.
Vagner veio ficar junto de nós, e a primeira reação do Artur foi segurar na mão do pai com seus dedinhos longos.
Assim como no parto da Aninha a visão mais forte deste momento foi o olhar do Artur para mim. Ele, recém-parido, no meu colo. Ele era lindo, ele nasceu grande, nasceu bem, esperto. Os olhos cor de mel, seu cabelinho preto. As mãozinhas... O cordão umbilical, lembro-me de ter ficado algum tempo olhando o cordão – ele é mágico, ele é lindo, é macio. Pulsava ainda quente.
Eu queria tirar o sutiã, mas o Artur já estava aconchegado no meu colo, as fraldinhas aquecidas em cima dele; não, eu não ia me afastar dele para tirar sutiã, e foi aí que Vagner deu uma ideia brilhante (amor, muito obrigada, sempre, por sua presença!) "Vamos cortar!!! O que é um sutiã?"... E eu feliz, sentindo-me mais livre ainda, nua, com nosso rebento nos braços e na água morninha. Todos aqueles sorrisos à nossa volta! Nosso bebê saudável, perfeito.
Ficamos Vagner, eu e Artur juntinhos alguns muitos minutos ali, namorávamos nosso menino, que nos olhava profundamente.
Em algum momento Maíra sugeriu que fôssemos para a cama, aguardar o parto da placenta. Marina já havia arrumado tudo no quarto, nossa cama estava quentinha, macia, limpa e deliciosa à luz da tarde de outono do Rio. Elas e Vagner me ajudaram a levantar da água, caminhar para o quarto e deitar. Naquele momento eu já sentia fome, sede!
O Artur agarrado em mim todo esse tempo, já estava bem esperto e quis mamar ainda na primeira hora. Foi uma grande emoção vê-lo tão pequenino já sugando meu seio. Não tem preço a liberdade de estar com nosso bebê recém-parido o tempo todo desde que ele saiu de dentro de mim, de saber que ele não foi invadido, medido, mexido, e que ele pôde estar livre para, no tempo dele, mamar ou não, conforme quisesse.
Lembro-me de que em algum momento entre as contrações pedi que buscassem Aninha na escola. Eu não tinha noção da hora, mas achava que a prova dela já tinha terminado. E achava que o trabalho de parto ainda demoraria e daria tempo de ela chegar e ver o irmão nascer. Ao mesmo tempo tive medo de como seria a reação dela e quais seriam as memórias que ficariam ao ver-me gritando (eu achava que estava gritando, lembram?) e sentindo dor. Acabou que Aninha chegou quando já estávamos na cama, esperando o parto da placenta. Foi triste ver a decepção dela ao saber que o irmão já tinha nascido, mas ao mesmo tempo foi lindo ver seus olhos pra ele – paixão também à primeira vista, como ela disse. Um entendimento e carinho naturais. Foi Aninha que cortou o cordão depois que pari a placenta, foi ela que ajudou Marina a vestir a primeira roupinha dele e que o levou lindo, no colo, para ver nossas amigas que estavam na sala. Nossa filha querida foi perfeita e tem sido mais que filha, irmã, companheira, nossa maior e mais amada cuidadora também.
Enquanto esperávamos o parto da placenta, com Artur já mamando, lembro-me de ouvir o Vagner comentar que ia avisar à nossa família que o Artur havia nascido, e a Maíra comentar que era melhor esperar a placenta! Sim, sim, claro! Um dos meus medos era a placenta apegada e, como ela sempre diz, o parto ainda não acabou enquanto não há a dequitação da placenta!!! Pedi a ela que fosse correndo na sala conversar com Vagner e explicar a ele o assunto. A família podia esperar uns minutos mais!
Não sei bem quanto tempo depois disso a Maíra me falou que a placenta já devia ter soltado, mas que estava ainda dentro de mim esperando uma contração. Eu já estava tão relaxada e feliz que nem sentia mais que ainda tinha contrações! Ela me examinou e viu que era exatamente isso, a placenta estava ali na portinha, esperando uma contração. Fizemos uma forcinha juntas, eu, Maíra e a placenta e pronto! Ali estava ela, linda em seu vermelho sangue, com todos os seus vasos e membranas, a placenta tão mágica e misteriosa, poderosa, que havia nutrido nosso Artur, permitido a ele crescer, receber alimento e oxigênio. Aninha queria ver a placenta, desde a gestação conversávamos sobre o que era, como era e pedi à Maíra que explicasse à ela tudo sobre a anatomia e posicionamento da placenta. Adorei vê-las analisando a placenta do Artur e conversando sobre suas funções!
Como disse, Aninha cortou o cordão e depois de não sei quanto tempo o Artur foi para alguns poucos metros longe de mim, para ser pesado pela Mariana e vestido pela Aninha.
Maíra e Marina examinaram meu períneo e não tive laceração grave, nada que precisasse de ponto. Maíra me mostrou com um espelhinho e vi que era apenas uma laceração de mucosa - conversamos e optamos por não dar pontos e seguir com a cicatrização natural. Em no máximo sete dias tudo estaria cicatrizado, somente cuidando com água, sem anti-inflamatórios ou outros remédios.
Enquanto Aninha desfilava orgulhosa com o irmão nos braços pelo apartamento, Karen, Claudia, Lena e Vagner viam o nosso pequeno príncipe, Marina me ajudou a levantar e fui para o banheiro tomar um banho delicioso e quente! Eu estava ali de pé, sozinha, na nossa casa, no nosso banheiro. Vesti minha camisola linda, presente especial do Vagner ainda na gestação para o pós-parto, penteei meu cabelo e fui pra sala me sentar com minha família querida e nossas amigas!
A esta altura a casa já estava recomposta, a sala já tinha cara de sala e a piscina já havia sido esvaziada. Vagner estava na cozinha fritando hambúrguer para todas, Lena já havia arrumado tudo, Karen e Aninha estavam conversando, eu babando o Artur, Claudia tirando fotos e as gatas caminhando pela casa tentando entender o que havia acontecido!
Brindamos o parto, a chegada do Artur e nossa equipe de sucesso com um bom Pro Seco, comemos hambúrguer feito em casa, falamos do parto, de como o Artur é lindo, de como parece com a Aninha e outras trivialidades... A vida seguindo seu curso, normal como deve ser, após o evento de energia e bênçãos enormes, de alegria e emoção extremas, que todos havíamos compartilhado havia algumas horas!
Vagner fez também um bolo de coco delicioso e comi algumas boas fatias dele, ainda quente, com água de coco! Era o primeiro bolo do Artur!
Claudia foi embora perto das 18hs, pois tinha ainda outro compromisso e, como foi tudo tão rápido, daria tempo para cumpri-lo. Marina e Maíra foram embora por voltas das 18:30hs, depois de nos passarem as orientações sobre cuidados com o coto, com o Artur, comigo etc. e de combinarmos a visita de pós-parto para dali a 24 horas. Lena e Karen ainda ficaram um pouco mais, ajeitando algumas coisas e conversando.
Durante aquela noite a casa estava serena... Nós três apaixonados pelo Artur, olhando, olhando, cheirando... À noite Vagner e Aninha dormiram o sono dos justos, e eu, como boa recém-parida e inundada de ocitocina, passei a madrugada vidrada, olhando aquela maravilha da vida ao meu lado! Todos empoleirados no nosso quarto. Ninguém conseguiu se afastar do Artur por alguns vários dias!
Esse parto foi perfeito, como tinha de ser, uma benção, uma alegria. Digo que foi "tsunâmico", tanto pela rapidez, quanto pela sensação das contrações em ondas gigantes diante de mim! Eu esperava que demorasse muito mais... Achei que pariria na madrugada de segunda para terça, havia idealizado coisas a fazer no trabalho de parto, roupas a vestir, fotos que eu gostaria de tirar. O que eu comeria durante o dia, o que serviríamos para as meninas... Não deu tempo de nada disso, mas foi perfeito, do jeitinho que tinha de ser!
Se eu me arrependo? De nada! Se a dor é tudo isso que falam? Dói, dói muito, mas a dor não é um décimo do terror que fazem. É uma dor com propósito, é uma dor com início, meio e fim. É uma dor que não é dor, é processo, é o corpo se abrindo para uma nova vida, para que a gente se transforme junto do parto e saiba como ter forças para ser mãe. Alguns minutos depois de parir o Artur eu, rindo, dizia, que já podia pensar no terceiro filho e que parir é bom demais!!!
Obrigada, do mais profundo cantinho do meu coração, à vocês, Maíra e Marina, pelo apoio, pelo cuidado pela força, por nos ajudarem a realizar esse sonho! Obrigada Lena, Karen e Claudia, pela companhia, pela ajuda, pelas boas energias, pelo carinho. Meu amor, meu amigo, meu companheiro, meu homem na Terra, Vagner, obrigada por ser completo e por me fazer completa, obrigada por seu olhar, por nosso lar, por nossos filhos, obrigada pela sua mão, pelo seu peito, pelo seu coração, por nós. Aninha, minha filha linda, perdão por não dar conta, muitas vezes, de tudo que você deseja; obrigada pelo seu amor, obrigada pela sua torcida, obrigada pela sua fé inabalável em nós. Meu amor e admiração por você, filha, não têm tamanho! Seja bem-vindo, menino de olhos serenos, menino de paz, espírito de calma que veio completar nossa família! Seja bem-vindo, Artur!!!

21 de abr. de 2015

Episiotomia: pelo fim do corte mutilador




"Inauguro esta seção do meu blog com a foto da cicatriz de uma episiotomia realizada há 17 anos, no contexto de um parto violento, em que a paciente chegou com colo fechado, recebeu ocitocina sem indicação, teve posterior dilatação forçada do colo e comandos de puxos durante o período expulsivo. Como complicações, lesão de bexiga e laceração de reto (lesão perineal de quarto grau), teve alta sondada e terríveis sequelas em longo prazo. Estenose do introito vaginal (visível na foto) pela retração cicatricial, eu tive que usar espéculo de virgem para examiná-la e fiz o toque unidigital, sempre explicando passo-a-passo cada etapa. Aos prantos ela me contou que depois desse que foi o seu primeiro parto, nunca mais teve relações sexuais sem sentir dor (dispareunia), e a dor não melhorou depois dos partos subsequentes, em que também teve o períneo cortado.

A história me emocionou bastante e eu perguntei se poderia fotografar e divulgar a foto para a campanha que estamos fazendo PELO FIM DO CORTE MUTILADOR, EPISIOTOMIA NUNCA MAIS! Choramos juntas e ela me disse que se a divulgação da foto pudesse ajudar a sensibilizar mentes e corações tanto de obstetras como das mulheres para evitar que outras venham a sofrer o mesmo problema, ela autorizaria a divulgação com muito gosto, porque isso traria uma espécie de compensação para todo o seu sofrimento.

Obrigada, Maria*, por ressignificar sua dor partilhando a história conosco.

Quem tiver fotos e relatos semelhantes, por favor envie para estudamelania@gmail.com.

________

* os nomes serão simbolicamente representados por Maria, para resguardar o sigilo e a confidencialidade das entrevistadas."


27 de mar. de 2015

MÉDICOS DO SUS TERÃO QUE JUSTIFICAR USO DE EPISIOTOMIA E OUTROS PROCEDIMENTOS

Por Ana Cristina Duarte, obstetriz:

"Depois que soube de uma morte por complicação de episiotomia em São Paulo, eu estou querendo aceleração da educação médica level hard plus. Episiotomia numa taxa acima de 5% é lesão corporal. Não acredito que seja necessária em mais do que 1% dos partos, em situações de estresse fetal grave e nascimento iminente. Mesmo assim, o vácuo extrator é muito melhor do que lesionar o períneo cirurgicamente. Mas ok, não temos vácuo em todos os serviços."



MÉDICOS DO SUS TERÃO QUE JUSTIFICAR USO DE EPISIOTOMIA E OUTROS PROCEDIMENTOS




http://maternar.blogfolha.uol.com.br/2015/03/27/medicos-do-sus-terao-de-justificar-uso-de-episiotomia-e-outros-procedimentos/

Os médicos da rede púbica de saúde do Estado de São Paulo terão de justificar o uso de episiotomias (corte feito entre a vagina e o ânus), administração de ocitocina (para acelerar o parto) e lavagem intestinal feita nas pacientes durante o parto. As medidas fazem parte da lei do parto humanizado sancionada na quinta-feira (26) pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB).

O projeto, de autoria do deputado Carlos Bezerra Jr., também estabelece que a gestante tenha direito à anestesia durante o parto normal e escolha também métodos não farmacológicos, como a massagem, para aliviar a dor. No SUS (Sistema Único de Saúde) nem sempre as maternidades têm anestesistas disponíveis para atender as parturientes.

Pela lei, a mulher também tem direito a comer e beber durante o trabalho de parto e ainda se movimentar durante as contrações. A gestante também poderá escolher a posição que fique mais confortável para parir. Normalmente, as gestantes são colocadas em posição ginecológica, o que aumenta as dores das contrações e dificulta o nascimento do bebê. A lei também deixa claro que os médicos devem fazer a “mínima interferência” possível e usar métodos “menos invasivos e mais naturais.”


PLANO DE PARTO

A gestante também poderá fazer o plano individual de parto onde será orientada durante o pré-natal e poderá indicar se quer ter anestesia, quais as opções não-farmacológicas para alívio da dor e o modo que será feito o acompanhamento e monitoramento cardíaco-fetal. O plano será feito em conjunto com o médico que vai informar a parturiente sobre as suas escolhas. Saiba mais sobre o plano de parto.

A parturiente também poderá saber com antecedência onde o parto será realizado. Uma das propostas da nova lei também é garantir o direito a um acompanhante, que já é prevista em uma lei federal e é descumprido em várias maternidades públicas e privadas do país.

A única coisa que não ficou clara ainda é de que maneira a lei será fiscalizada e como será feita a humanização de parto na rede pública.


LEI MUNICIPAL

Em novembro de 2013, o prefeito Fernando Haddad (PT) sancionou um projeto de lei semelhante ao que passa a valer em todo o Estado.

O projeto também permite que as mulheres optem por métodos não farmacológicos de alívio da dor, como massagens e banho quente, e solicite anestesia se essa for sua vontade. Elas podem ainda saber com antecedência onde darão à luz e escolher o tipo de parto e um acompanhante – que pode ser desde um parente até uma doula.

A vereadora Patrícia Bezerra (PSDB), autora do projeto, disse na época que nenhuma das iniciativas era praxe nos hospitais municipais de São Paulo.
Apesar da lei estar em vigor, mulheres ainda têm dificuldades em conseguir partos respeitosos com o mínimo de interferência médica tanto na rede pública como na privada.

20 de mar. de 2015

Já viram a nova carteira da gestante do Ministério da Saúde?

Linda linda, e cheinha de informações super relevantes!

Veja neste link!

Esse modelo é o do Ministério da Saúde, aqui no Rio li que é um pouco diferente - seguem o modelo do projeto Cegonha Carioca.

AMEI!!! Quero uma pra mim!

19 de mar. de 2015

Viva o ânus!

(por Ana Fialho, dedicado a Bernadette Bousada - ambas obstetras)

"Num país não tão distante, por motivos não tão claros, de repente começaram a se fazer muitas colostomias. Fazer coco naturalmente tinha riscos potenciais, hemorróidas, fissuras, doía... Algumas pessoas, coitadas, herdavam geneticamente a dificuldade de fazer coco, outras pessoas não tinham nenhum prazer no ato, outras ainda achavam que se perdia muito tempo da vida sentadas na privada. Optavam então por colocar uma bolsa no fim do intestino e por ali o coco sairia sem complicações.

Nesse país era tão frequente a cirurgia que os médicos ficaram craques nela! Os resultados eram maravilhosos, poucas intercorrências, na verdade a taxa de mortalidade era quase zero! Com o avanço na tecnologia cirúrgica e farmacêutica, a dor do pós operatório e as infecções eram mínimas! Ninguém mais questionava quando alguém escolhia nunca mais fazer coco na vida, uma escolha informada, a pessoa é livre, o anus é dela e ela decide se quer usá-lo ou não!

Com o tempo, a taxa de colostomia ultrapassou os 80%, a minoria que ainda queria fazer coco era taxada de louca, irresponsável, inconsequente. Como quase ninguém mais fazia coco, o evento, outrora cotidiano, tornou-se assustador! Dava muito medo fazer coco. So se podia fazer coco com ajuda de profissionais, muitas intervenções para auxiliar e claro em ambiente hospitalar.

O medo era tanto que as complicações entre os fazedores de coco aumentaram muito, taxas de hemorróidas, fissuras, até hemorragias graves após o ato aumentaram vertiginosamente. Fora aquele cortezinho no anus pra ajudar a sair o coco que inflamava, doia, dificultava os próximos cocos... Mesmo com medicações, anestesia, cortes, fazer coco era muito difícil, tinha que ser muito corajoso! Ouvi dizer até que a vizinha de uma prima que mora nesse país morreu entalada porque quis forçar fazer coco de qualquer jeito, sem ajuda de ninguém. Um horror.

Se essa história parece estranha, exagerada, se a comparação com o parto te parece esdrúxula, é simplesmente porque a cesariana para nós não é mais considerada uma cirurgia que substitui um evento fisiológico. O parto não é mais considerado fisiológico e quem está perdendo somos nós, mulheres, homens, crianças.

Viva o ânus! Meu corpo, minhas regras!"

6 de mar. de 2015

"Tivemos que importar um congresso internacional (BirthBrazil), e tivemos que importar um obstetra pesquisador Israelense que vive na Alemanha, para ele dizer aos nossos obstetras que não é para fazer episiotomia, e que o maior risco de danos perineais graves vem justamente das episiotomias. Mesmo que a apresentação dele tenha sido apoiada no trabalho de Melania Amorim e colegas... Precisamos do gringo vir aqui, para os nossos obstetras acreditarem. E capaz de ainda não terem acreditado, visse??"

Por Ana Cristina Duarte, no Facebook dela (aqui).

20 de fev. de 2015

Indicação de profissionais para Parto Domiciliar no Rio de Janeiro

Para quem procura uma equipe de parto domiciliar no Rio de Janeiro, com excelente formação técnica, não intervencionista e que respeita a fisiologia do parto e o protagonismo da mulher e sua família:



4 de fev. de 2015

Até quando nossas vaginas serão cortadas?

Por: Kalu Brum, em Olhar Mamífero.


Não há maneira mais eficiente de manter uma sociedade alienada do que fazer as mulheres ficarem distraídas com seus próprios corpos. Ou diria, vaginas?

Recentemente vi uma matéria que dizia que as cirurgias plásticas agora entraram no mundo das vaginas.

Se existe um lugar que eu acho que não cabe tesouras e agulhas desnecessárias é a vagina!

Segundo o relatório da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica, o Brasil lidera o ranking das labioplastias.

Acredite ou não mas 9.043 brasileiras se submeteram a cirurgia para corrigir o que consideravam imperfeições nos lábios vaginais. O número corresponde a mais de 16% do total de labioplastias no mundo.

Desses procedimentos a grande maioria é por razões meramente estéticas.

Nossas vaginas, há tempos, tem sido infantilizadas. Eu penso que parte dessa infantilização se deu por causa do parto.

Enquanto as partes eram olhadas por mulheres, amparadas por mulheres, os pêlos, estavam lá, para mostrar nossa parte selvagem. Depois se foram os pêlos para que os médicos pudessem fazer uma entrada limpa, infantilizando até no chamado (mãezinha) as partes íntimas. Uma vagina infantil para ser cortada.

Foi nesta época em que a episiotomia ganhou espaço deixando marcas no períneo (na alma, na moral) como castigo por ser mulher e querer parir.

A tricotomia (raspagem dos pêlos vaginais) e a episiotomia (corte do períneo) são práticas corriqueiras em quase 90% dos míseros partos normais que temos no Brasil (48%). Práticas consideradas hoje como parte da gama de violência obstétrica em que 1 a cada 4 mulheres, segundo a Fundação Clóvis Salgado sofrem para terem seus filhos.

Décadas mais tarde a vagina foi então aposentada do divino ato de dar a luz para que as cirurgias, que as brasileiras tanto amam, entrassem em cena.

As cesáreas passaram a ser feitas muitas vezes com a lipoaspiração e plástica abdominal. Fortalecendo o culto alienação através da distração com o próprio umbigo (ou vagina e peitos).

Um estudo publicado na revista Annals of Plastic Surgery sugeriu que entre as mulheres que receberam implantes cosméticos de seio, o índice de suicídio era três vezes maior do que a média. O estudo examina as causas de morte entre 3.257 mulheres suecas que realizaram implantes de seios entre 1965 e 1993.

O estudo tenta provar que as não é o implante nos seios que faz as mulheres se suicidarem. Mas sim as mulheres que fazem a cirurgia possuem transtornos.

A não aceitação de si mesma é, talvez a grande lacuna que o mercado procura usar para manter as mulheres alheias de si mesmas e de seus processos.

Apesar de não ter achado nenhum artigo que diga que os implantes de silicone não atrapalhem a amamentação, minha experiência empírica é outra: conheço muitas mulheres que tiveram muito problema com amamentação devido ao silicone.

Se os seios servem apenas para adoração masculina, agora as mulheres estão querendo padronizar suas vaginas para que fiquem esteticamente perfeitas.

Uma justificativa comum para opção da cesárea é o tal medo da Perereca Frouxa.

Mas quando o bebê nasce ele rasga tudo?

Podem acontecer laceração em caso de saída muito rápida do bebê (meu caso), cicatrizes de episiotomias anteriores, já que é uma região de fibrose e fragilidade dos tecidos, com potencial maior para rupturas.

Aí você pode se perguntar: não seria melhor fazer uma episiotomia para evitar laceração? Você tem 60% de chance de não ter laceração nenhuma e que seu períneo fique íntegro. Ou, se houver lacerações, elas podem cicatrizar melhor do que uma episio.

Quando não há episiotomia no Parto Normal existe a possibilidade de acontecer as lacerações espontâneas de primeiro grau (lesão de pele e mucosa) e mais dificilmente as de segundo grau, (lesão de músculos). As estatística apontam que as lacerações de segundo grau ( semelhantes as episios) tem uma melhor cicatrização e menos dor do que as episios.

E a tal perereca frouxa?

A pereca frouxa tem pouca ligação com o parto e muito mais com a gestação. O peso que o neném exerce no assoalho pélvico, de constituição física e de hábitos que a mulher tenha podem levar a uma perda da musculatura.


Ao invés de mutilarmos nossas vaginas para que fiquem esteticamente bonitas, porque não exercitá-las, usá-las para que tenhamos muito prazer, para que possa exercer sua deliciosa função de se abrir para a chegada de uma criança.

Por que não depilá-la (ou não), permitir que seja lambida, livre. Sem cicatrizes de partos violentos ou ausentes de uso pelo não parto.

Que possamos olhar além de nossas vaginas e lutar pelo que realmente faz sentido: o direito de parir e usar a vagina como a gente bem entender, sem tabus ou mutilações.

Um salve para as vaginas reais e seus lábios de todas as formas. Pelo fim da necessidade de atender esteticamente aos desejos masculinos. Porque a beleza de ser mulher é SER.

FONTE: http://vilamamifera.com/olharmamifero/ate-quando-nossas-vaginas-serao-cortadas/


3 de fev. de 2015

Relato de meu primeiro parto, em 2002

Isso talvez não devesse estar aqui porque afinal relata tudo, desde boa parte da gestação até o parto em si, e não só fala de episiotomia...
Mas o meu objetivo é me expor, falar do que passei e assim ajudar algumas mulheres...
Afinal, a episiotomia não acontece sozinha... Ela faz parte do todo que é o modelo obstétrico tecnocrático, intervencionista e que não considera a gestante e o bebê como protagonistas, mas sim o médico, adotado no nosso país (e, infelizmente, em boa parte do mundo!).
Eu fui bem atendida, tive um médico que deve ser um dos melhores que haviam no país em 2002 e que, ainda por cima, aceitava plano de saúde - minha única opção na época, além do SUS, que também não era dos melhores.
Na época do parto e alguns anos depois eu dizia que seguia adorando aquele obstetra e que não tinha nada a depor contra ele... Hoje em dia, 12 anos depois e depois de muito ler e de muito ser ativista do parto humanizado e baseado em evidências científicas, eu posso dizer que ele me ajudou na época, que ele fez o melhor do que ele acreditava ser adequado, mas hoje em dia guardo certa mágoa por ele não ter se atualizado, como espero que todo médico, todo cientista faça. Sinto-me triste pelas intervenções que passamos, entendo que um tanto daquilo foi violência obstétrica, desnecessária. Entendo que não fui consultada sobre os procedimentos, que não me foram explicados as razões de cada um deles, nem os riscos, nem as consequências.
Até 2003, quando escrevi o relato de parto que se segue, eu não tinha lembrança ruim do parto... Pelo contrário... As críticas que fiz mais se direcionavam ao modelo de parir no nosso país, que desde então já poderia ser diferente. Hoje em dia acho que cada profissional de assistência ao parto que não se atualiza, que não considera a mulher, o bebê e a família protagonistas, que faz intervenção desnecessária, que violenta de certa forma a autonomia e a inteligência da mulher está errado porque falha seriamente em seu compromisso com o cuidado, com o obstare.
Na época que minha filha nasceu eu não sabia quase nada para questionar, para dizer que sim ou que não, para fazer diferente, para chamar a responsabilidade do MEU parto pra MIM, e entreguei sim tudo na mão da equipe médica... Tive sorte em não ter sido levada a uma cesariana desnecessária, que de todos, era meu maior medo. Só lutei para não passar por uma cesariana.
Levei dois anos para digerir a episiotomia, não consegui amamentar minha filha mais que 3,5 meses, e ela em nenhum momento recebeu leite materno exclusivamente porque desde o berçário deram complemento pra ela. Além disso, guardo uma mágoa e culpa (a qual sei que não devia guardar!) pelo fato de não termos estado juntas na primeira hora após seu nascimento, por ela ter ficado no berçário por 6 horas à toa (seu Apgar ao nascer foi 9/10) e por minha pequena ter passado por banho desnecessário, vitaminas e procedimentos desnecessários (aspiração de vias aéreas, vitamina K, credé, etc.) em seus primeiros momentos de vida.

Leiam, se quiserem...

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Relato do Parto da Ana (por Bartira, nascida em 1977, carioca, moradora do Rio de Janeiro)
28/02/2002 - Parto normal, hospitalar, com intervenções.

O parto da minha filha foi bom considerando-se que na época eu tinha pouca informação e achava que o único lugar para parir era o hospital... Eu não sabia direito a necessidade real de se fazer episiotomia e nem a necessidade de outras intervenções, embora soubesse que queria fugir de uma cesárea desnecessária a todo custo. Acabei então passando por muita coisa desnecessária no parto sem nem saber o porquê... Alguém resolvia pra mim e por mim porque eu não tinha conhecimento para isso...

Tive ainda a sorte de ter um médico obstetra bom e que recomendei pra amigas, adepto do parto normal, mas isso infelizmente não é a realidade neste país, muito menos na nossa cidade! Os médicos que temos por aí, em sua maioria, não se atualizam ou, quando o fazem, escolhem as piores fontes! Muitos não sabem mesmo como auxiliar (veja bem: auxiliar e não fazer) partos normais dignos. Não compreendem a mulher e sua fisiologia porque não acreditam nela! Sei também que muitas vezes a mulher prefere se ausentar da responsabilidade de seu parto, deixando tudo nas mãos do médico, mas isso aí já é outro papo (não era o meu caso, por mais desinformada que eu estivesse)...

Eu cheguei no consultório do meu médico com 8 meses de gestação fugindo do segundo cesarista pelo qual passei na gravidez. Ele foi muito melhor do que eu podia esperar, era de plano de saúde, e as consultas que tive com ele no pré-natal foram muito boas. A DPP era 02/03/2002.

Por que fugi do segundo cesarista? Porque o segundo médico que estava comigo viu na ultra que a minha filha "ainda estava sentada no oitavo mes" e começou a falar de uma possível/provável cesárea! Além disso, nessa mesma consulta, vi o médico colocar pressão numa gestante que estava na 40ª semana pra fazer uma cesárea sem entrar em TP naquele mesmo dia porque ele ia viajar e ela ia "ficar nas mãos de qq um" (usando palavras do próprio médico).

Já tinha fugido de uma outra médica antes desse. Ela também me parecia cesarista. As consultas dela não passavam de 10 minutos e a espera na ante-sala era de 2 horas (pasmem!). Ela não me explicava quase nada, só media minha barriga, me pesava e fazia exame de toque toda consulta. Quando eu queria perguntar algo, ela dizia que era "cedo para esse assunto".

No dia em que entrei em TP sabia desde de manhã (27/02/2002) que seria aquele dia. Fiquei em casa andando, tomando banho, relaxando. Liguei pro médico, mas ele não acreditou que já era a hora, afinal, geralmente primigesta demora a parir!

Seis horas da tarde meu marido chegou da rua (ele fazia mestrado e tinha que finalizar um relatório e entregá-lo naquele dia - desde de manhã não falei nada das coisas que estava sentindo para ele afim de não perturbá-lo na finalização e entrega do tal relatório), voltei a ligar pro médico. As contrações estavam fortes e não contei intervalo (nunca prestei atenção nesse lance de intervalos das contrações e nenhum médico havia me dito para prestar atenção nisso)... Ele me disse que não devia ser a hora, mas que se eu quisesse podia ir pra Clínica. Chegando na Clínica Santa Bárbara, ao passar por exame de toque do plantonista, estava com 5cm de dilatação. Fui pra internação às 22hs... Depois pro quarto, tomei banho e tentei relaxar um pouco. As contrações eram fortes! Eu estava meio perdida e meu marido, coitado, mais ainda.

23:30 chegou o anestesista. O obstetra já estava vindo. Eu fiquei com medo das dores das contrações, ali naquele quarto de hospital com meu marido, tão inexperiente quanto eu, e não questionei a analgesia quando já estava com 7cm de dilatação. Acho se tivesse tido uma doula, ou estivesse em casa ou numa casa de parto, com alternativas naturais para o alívio da dor, teria conseguido ficar sem a analgesia! Mas ali, deitada, me sentindo meio só... Foi difícil aguentar! Não havia conversado sobre anestesia com meu obstetra, nunca, e quando o anestesista chegou eu liguei pro obstetra, ele disse que não tinha problema eu tomar a anestesia... Aceitei, muito sem informação. Fui levada para a sala de pré-parto e o médico aplicou uma micro-dose da raquidiana e introduziu um cateter para uso da peridural em gotas conforme fosse necessário. Eu tinha mesmo medo da dor!

Fiquei na sala de pré-parto deitada, com soro contínuo (exigência do anestesista porque era preciso ter uma "via de acesso em caso de emergência") sem ocitocina, pelo menos (é o que me disseram)! Os médicos iam e vinham analisando a evolução do trabalho de parto. Até que eu ia bem! Estava com sede e só podia beber goles de água...

Depois da anestesia as contrações deram uma parada e tive que ficar deitada de lado para ver se voltavam com alguma força. Não soube quando a bolsa estourou, e vi que em algum momento o obstetra fez uma manobra com a própria mão pra "reposicionar" minha filha que "não estava na posição certa", ainda dentro de mim.

4 horas manhã do dia 28/02/2002... O médico disse "Vamos pra sala de parto?"... Fiquei semi-deitada no centro cirúrgico, frio, claro demais, com as pernas naqueles aparadores, e os médicos me orientando quando fazer força porque eu não sabia quando deveria fazê-la (não sentia as contrações de fato por causa da analgesia e nem conseguia prestar atenção na rigidez de minha barriga pra saber quando estava numa contração, não controlava meu parto!)...

Ele deu uns toques com o dedo na minha vagina e períneo e eu disse que sentia (não sentia 100%, mas sabia que ele estava mexendo ali). Ele me deu anestesia local e fez a episio (disso eu não gostei porque não fui avisada, embora soubesse o que estava prestes a acontecer e embora confiasse nos procedimentos do meu médico). Mais alguns comandos de voz ("faz força, faz força" e eu obedecia)... Fiquei meio desesperada um momento e tive o consolo da neonatologista que estava lá... Era a única mulher me apoiando naquela hora. Meu marido de mãos dadas comigo, mas meio atônito também. O médico me dizia para ficar calma e não gritar, fazer força. E de repente passei pela manobra de Kristeller (tb não gostei disso, porque não fui consultada, eu sequer esperava que isso ia acontecer)... Foi uma grande dor essa manobra (soltei um grito das entranhas), eu senti a queimação do expulsivo - essa queimação é chamada, nos círculos femininos e místicos, de "círculo de fogo" - (apesar da anestesia, que depois vim a saber que era em bem baixa dose mesmo) e o obstetra me chamou para me erguer e ver minha filha nascendo (com a manobra, saiu a cabecinha de minha filha) e fiz mais uma força sozinha e minha filha nasceu inteira... Ele perguntou ao meu marido se ele queria cortar o cordão e ele não quis (de nervoso!). A minha filhota linda foi colocada em cima de minha barriga e a neonatologista fez os procedimentos necessários ali mesmo, em cima de mim (aspiração, limpeza, e mais alguma coisa). Não me esqueço nunca do olhar dela para mim; não chorou, só me olhava com os olhos mais profundos e brilhantes que vi na vida. Reparei em cada pedacinho dela e no meio do turbilhão vi meu marido com lágrimas nos olhos pela primeira vez na vida (ele não chora!). O médico deu os pontos da episio, minha filha foi pro berçário ficar 6 horas na incubadora sem necessidade (quer dizer, eu creio que foi sem necessidade porque um bebê que nasce com Apgar 9 e o segundo Apgar também é 10 não deve ser mantido em incubadora por tanto tempo; acho que foi por recomendação de rotina) e eu fui pro quarto, esperar o efeito da anestesia passar e esperar que ela viesse ficar comigo, esperei também pela hora em que podia comer alguma coisa, pois estava com muita fome, e esperar pelo banho, porque estava doida para me lavar!

Esse parto foi como foi... Deitada, soro, analgesia, meio que tímida, comandada. Cortada pela episio e amassada pela Kristeller... Eu não tinha o poder dado pela informação que tenho hoje.

No próximo parto espero não deixar: analgesia, empurrão na barriga e episio.
E, se possível, gostaria de parir na minha casa!

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Atualmente estou grávida de novo. Meu pré-natal está sendo feito com uma enfermeira obstetra e uma obstetriz. Tenho uma médica obstetra de backup com a qual elas estão acostumadas a trabalhar e a quem recorreremos se houver necessidade de assistência médica no trabalho de parto ou parto.
O pré-natal que faço agora é baseado em recomendações que são científicas e não só de protocolo ou rotina.
Sigo sendo uma gestante de risco habitual, ou baixo risco, nossa saúde vai bem e planejamos o parto domiciliar.
Acredito que gestações de baixo risco não devem e não têm que ser acompanhadas por médicos, que partos desse tipo não precisam ser com médicos nem em hospital.
Sei que os riscos para mim, secundigesta de baixo risco, e pro nosso bebê são menores num parto domiciliar fisiológico, com uma equipe técnica preparada, do que num hospital tradicional, onde há muito mais riscos de que soframos intervenções desnecessárias e onde, seguramente, não conseguirei ser eu e deixar meu corpo e do nosso bebê trabalhar.

Por nada nessa vida deixo que me façam uma segunda episiotomia, nem uma nova manobra de Kristeller, não vou parir deitada com as pernas nas perneiras, nem com alguém me dizendo quando eu tenho que fazer força ou não. Meu corpo saberá.

25 de jan. de 2015

NOVO!!! Guia de Prática Clínica Sobre Cuidados com o Parto Normal

Parafraseando Ricardo Herbert Jones: esboço das diretrizes nacionais sobre Parto Normal e Cesariana. Um marco na história da atenção ao parto no Brasil.
Parabéns aos envolvidos na sua confecção, em especial Melania Amorim e João Batista Marinho, além de Esther Villela do MS.

Gratuito!!! Para Médicas(os), Médicas(os) Obstetras, Enfermeiras(os), Enfermeiras(os) Obstetras e Obstetrizes.

Link para baixar o "Guia de Prática Clínica Sobre Cuidados com o Parto Normal":